terça-feira, 23 de agosto de 2011

Cordel


JOÃO GRILO, O CORONEL E A POLÍTICA


O poema de cordel – que registra um diálogo entre o Coronel Pereira e o matuto João Grilo, sobre a política – foi produzido como trabalho avaliativo, na disciplina "Oficina de Atividades Filosóficas VI", ministrada pela Profª. Sueny Nóbrega Soares que, atualmente, é Supervisora do PIBID/Filosofia/UERN-Caicó. Este poema foi encenado em Patu, no dia 02/08/2011, por alunos do Curso de Filosofia/Caicó, por ocasião da abertura do PIBID/Pedagogia/CAJIM. 

Narrador, Coronel Pereira e João Grilo


Peço licença aos senhores
Pra fazer a encenação
De uma grande conversa
Que se deu lá no sertão
Entre um velho Coronel
De bota, chibata e chapéu
E João Grilo, um sabidão

Deu-se numa ocasião,
Seu Malaquias da venda
Mandou João entregar
Uma bonita moenda,
Pra fazer caldo de cana
E um cacho de banana,
Ao Coronel na fazenda

- Vim trazer a encomenda
Vou chegando lá da feira
- Entre logo, amarelo
Deixe de sua asneira!
Bote aí no pé da porta
Pois a sua cara morta
Já ta dando uma canseira.

- É o Coronel Pereira
De primeira sem segunda
Homem de muito valor
Chega a educação abunda
Lhe trouxe minha banana
E a moenda de cana
Cá em riba da cacunda

Pois sou nau que não afunda
Avião que corta o céu
Carro-tanque pelo morro
Abelha fazendo mel
Tenho consciência crítica
E minha razão política
É me fazer de xeleléu

- Eu sou um grande Coronel
Tás ficando besta, João?
Onde é que já se viu
Um matuto ter razão?
É coisa que bem não cabe
De política tu só sabe
Do dia da eleição

- Não é bem assim, patrão
Mas vale a investida
A importância do voto
É de todos conhecida
Mas desculpe, excelência
Que política é a ciência
Que conduz a nossa vida

É verdade que é tida
Como algo passageiro
Mais ligada à eleição
Às mutretas, ao dinheiro
Mas política é mais que isso
Representa o compromisso
De um povo por inteiro

- Eita, amarelo arteiro!
És um grande prosador!
Não negas a tua fama
De nego conversador
- Não é prosa, meu patrão
Mas, sim, a grande lição
De um cabra pensador

Aristóteles, meu senhor
Foi discípulo de Platão
Mas o mundo das ideias
Trocou pelo nosso chão
Escritor vasto e fecundo
Foi não foi, o que há no mundo
Teve sua opinião

A concórdia e a paz
Da política é o final
Procura a felicidade
O bem-estar social
A maneira de viver
As leis que devem reger
O interesse geral

Fez um plano genial
Sobre as formas de poder:
A monarquia, um só homem
É capaz de exercer
Alguns, na aristocracia
Muitos na democracia
Não é difícil entender

Procurando defender
Um regime equilibrado
Pensou num regime médio
Concluiu que o adequado
Era a timocracia
Pois nele quem mandaria
Era o cidadão honrado

- Eita, cabra arretado
Pensa igualzinho a mim
Pois muita gente mandando
Só tem resultado ruim
Só presta quando um manda
Cada qual na sua banda
Cada boi com seu capim

- Na verdade não é assim
Agora preste atenção
Pois a honra pra mandar
Pode ser do rico ou não
Importante é o respeito
Ao que é justo e direito
Em qualquer situação

- Já vi, meu caro João
De política sabes nada
A política não tem ética
Nem está subordinada
À religião, moral
É igual pro desigual
Nem é certa nem errada

É certeza assegurada
Por vários livros alheios
O poder é o que vale
Digo isso sem receios
Pra manter a autoridade
É a mais certa verdade:
Os fins justificam os meios

Com base nesses anseios
Falo pra tu, Xeleléu
A ética e a moral
Têm apenas um papel:
A tomada do poder
Disse isso com saber
Nicolau Maquiavel

Ele fez um escarcéu
Da arte de governar
O Príncipe, seu grande livro
Vou agora lhe explicar:
Não adianta só bondade
Para ser rei de verdade
É preciso dominar

Virtude forte é tomar
A fortuna almejada
Qual seja mulher bonita
Deve assim ser abordada
O príncipe que se enamora
Nem adula nem implora
A coroa desejada

- Tá ouvindo a zuada
Da moenda funcionando?
Enquanto o nobre proseia
O pobre tá trabalhando.
O príncipe é ultrapassado
Sem o proletariado
O castelo vai minando

- Você tá me provocando?
Com toda essa heresia
- De forma alguma coronel
Tenha calma, senhoria
Isso é uma explicação
Que nos deu um alemão
Sobre toda economia

Ninguém nega, hoje em dia
Que a política como tal
Forma, com a economia
Um par perfeito, ideal
Pois o meio se explica
Por aquilo que indica
A base material

- Tu até não falou mal
Pois nossa realidade
É formada por política
Que é do campo à cidade
Então entra a economia
Pois o povo tem seu guia
Na alta sociedade

- Para falar a verdade
A coisa é bem diferente
Pois observe o senhor
Que o patrão é dependente
De todo trabalhador
Que se esforça, com valor
Para dar valor à gente

- Mas desde que sou vivente
Que assim é o viver:
Uns nascem para mandar
Outros, para obedecer
A vida não tem mistério
Do berço ao cemitério
Já se sabe o que vai ser

- Mas não tendo um querer
O homem não tem sentido
Alguém se torna o que é
Quando é desenvolvido
É uma questão de ética
É a lei da dialética
Que faz rei o oprimido

- Eu lhe digo que duvido
Que um matuto banzeiro
Pudesse ser outra coisa
Que um tolo beradeiro.
- E com essa fico bravo
O matuto só é escravo
Porque está no cativeiro...

Mas se tivesse primeiro
O estudo e a liberdade
Veria a ideologia
Que doma a sociedade:
Diversos trabalhadores
Sustentam poucos senhores
Com a produtividade

Foi Karl Marx, de verdade
Aquele que já dizia
A lei do capitalismo
É a tal da mais-valia:
O menos que o operário
Recebe do empresário
Virando mercadoria

Com o trabalho de um dia
Só se vive meia hora
É o capitalismo selvagem
Que o próprio homem devora
Mas há de haver solução
Pra esta situação...
Valei-me, Nossa Senhora!

Gritou João, pois, nessa hora
O Coronel se levantou
Deu um fungado medonho
Os olhos abuticou
E gritou com rouquidão
- Quem manda nesse torrão
Sou eu mesmo ou não sou?

Aí o cancão piou
Pois então Dona Firmina
A mulher do Coronel
Riscou feito lazarina
- Manda o quê, vagabundo?
Pois hoje, em todo o mundo
A mulher é quem domina

Veja Dilma e Marina
Ângela Merck na Alemanha
Cristina na Argentina
Michele Obama que ganha
Bachelet manda no Chile
Hillary Clinton, em desfile
É mulher que não se assanha

Homem deixe de manha
Que a política se inverteu
A mulher assume o trono
Que esse lugar é seu.
Homem passe para dentro
Que aqui, hoje, nesse centro
Quem manda mesmo sou eu!

Grande confusão se deu
Nas proezas de João
O quengo que é mais quengo
De nosso grande sertão
Que com a filosofia
Derruba a hipocrisia
Em qualquer situação

E quando houver um mandão
Metido a castigar
Outros homens, seus irmãos
Querendo em todos mandar
É só dizer com alarde
Espiche o lombo, covarde:
Lá vem João filosofar




Autor: Lindoaldo Campos Júnior
Aluno do 7º período de Filosofia/UERN-Caicó e Mestrando em Filosofia/UFRN.




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